Na
frente da câmara fotográfica, ninguém precisa nos dizer "Sorria!" Espontaneamente,
simulamos grandes alegrias, sorrindo de boca aberta. Em regra, hoje, os
retratos são propaganda de pasta de dentes - se você não acredita, passeie pelo
Facebook, onde muitos compartilham seus álbuns, rivalizando para ver quem
parece melhor aproveitar a vida.
O
hábito de sorrir nos retratos é muito recente. Angus Trumble, autor de "A
Brief History of the Smile" (Uma Breve História do Sorriso), assinala que
esse costume não poderia ter se formado antes que os dentistas tornassem nossos
dentes apresentáveis.
Além
disso, os retratos pintados pediam poses longas e repetidas, para as quais era
mais fácil adotar uma expressão "natural". Outra explicação é que o
retrato, até a terceira década do século 20, era uma ocasião rara e, por isso,
um pouco solene.
Mas
resta que nossos antepassados recentes, na hora de serem imortalizados, queriam
deixar à posteridade uma imagem de seriedade e compostura; enquanto nós, na
mesma hora, sentimos a necessidade de sorrir - e nada do sorriso enigmático do
Buda ou de Mona Lisa: sorrimos escancaradamente.
Certo,
o hábito de sorrir na foto se estabeleceu quando as câmaras fotográficas
portáteis banalizaram o retrato. Mas é duvidoso que nossos sorrisos tenham sido
inventados para essas câmaras. É mais provável que as câmaras tenham surgido
para satisfazer a dupla necessidade de registrar (e mostrar aos outros) nossa
suposta "felicidade" em duas circunstâncias que eram novas ou quase:
a vida da família nuclear e o tempo de férias.
De
fato, o álbum de fotos das crianças e o das férias são os grandes repertórios
do sorriso. No primeiro, ao risco de parecerem idiotas de tanto sorrir, as
crianças devem mostrar a nós e ao mundo que elas preenchem sua missão: a de
realizar (ou parecer realizar) nossos sonhos frustrados de felicidade. Nas
fotos das férias, trata-se de provar que nós também (além das crianças) sabemos
ser "felizes".
Em
suma, estampado na cara das crianças ou na nossa, o sorriso é, hoje, o grande
sinal exterior da capacidade de aproveitar a vida. É ele que deveria nos valer
a admiração (e a inveja) dos outros.
De
uma longa época em que nossa maneira e talvez nossa capacidade de enfrentar a
vida eram resumidas por uma espécie de seriedade intensa, passamos a uma época
em que saber viver coincidiria com saber sorrir e rir. Nessa passagem, não há
só uma mudança de expressão: o passado parece valorizar uma atenção focada e
reflexiva, enquanto nós parecemos valorizar a diversão. Ou seja, no passado,
saber viver era focar na vida; hoje, saber viver é se distrair dela.
Ao
longo do século 19, antes que o sorriso deturpasse os retratos, a
"felicidade" e a alegria excessivas eram, aliás, sinais de que o
retratado estava dilapidando seu tempo, incapaz de encarar a complexidade e a
finitude da vida.
Alguém
dirá que tudo isso seria uma nostalgia sem relevância, se, valorizando o
sorriso e o riso, conseguíssemos tornar a dita felicidade prioritária em nossas
vidas. Se o bom humor da diversão afastasse as dores do dia a dia, quem se
queixaria disso?
Uma
pesquisa sobre efeitos paradoxais de valorização da felicidade apontam que, em
tese, essa valorização ajuda a alcançar o que é valorizado - por exemplo, quem
valoriza boas notas, estuda mais, etc. Mas eis que duas experiências
complementares mostram que, no caso da felicidade (mesmo que ninguém saiba o
que ela é exatamente - ou talvez por isso), acontece o contrário: valorizar a
felicidade produz insatisfação e mesmo depressão. De que se trata? Decepção?
Sentimento de inadequação? Um pouco disso tudo e, mais radicalmente, da
sensação de que a gente não tem competência para viver - apenas para se
divertir ou, pior ainda, para fazer de conta. Como chegamos a isso?
Pouco
tempo atrás, na minha frente, uma mãe conversava pelo telefone com o filho (que
a preocupa um pouco pelo excesso de atividade e pela dispersão). O menino
estava passando um dia agitado, brincando com amigos; a mãe quis saber se
estava tudo bem e perguntou: "Filho, está se divertindo bem?".