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segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Um Novo Olhar

A aproximação da terceira idade traz junto consigo maior tolerância com todos, dores nas juntas, menores exigências com tudo, remédios de uso contínuo e experiências adquiridas para usar e abusar. Traz também algumas doenças que a gente nem sabia que tinha, mas que os médicos - sempre eles - estão aí para detectar.
Foi assim que me vi sentado na recepção de uma clínica oftalmológica para fazer uma cirurgia plástica que retiraria parte de minhas pálpebras e levantaria meu olhar, a fim de que enxergasse melhor. Eu nem sabia que enxergava mal!
O local era povoado por pessoas um pouco mais idosas do que eu, o que me deu uma leve sensação de que eu estou envelhecendo mais rápido do que gostaria. Meu labirinto vem me dizendo isso faz tempo, eu que insisto em não ouvi-lo - e duplo sentido é pouco para uma frase dessas.
Quando levado para a preparação à cirurgia, uma moça com uma linda carinha de lua cheia dava instruções de como proceder com uma voz aveludada que diminuía até pressão alta. Até que chegou a hora da cirurgia. Você sabia que o cirurgião traça o que vai fazer no seu corpo? Onde ele fez curso de desenho? E se ele desenhar mal?
Como, segundo os médicos, a cirurgia era simples - porque não eram os olhos deles que seriam cortados - a anestesia foi local. Além da estranha sensação de estar sendo cortado ao vivo e a cores, só que sem dor, havia o cenário. Não me refiro à decoração do bloco cirúrgico, mas aos cirurgiões que me operavam - sim, eram dois, um em cada olho, ao mesmo tempo. Seus comentários em mediquês, uma linguagem provavelmente aprendida na Terra Média dos Hobbits, era intercalada com diálogos absolutamente mundanos, que variavam da oscilação do dólar ao suicídio de Champignon, ex-vocalista da banda A Banca, sucessora da Charlie Brown Jr. Mas que falta de profissionalismo, porque não prestam atenção no que estão fazendo? Mais preocupante ainda era a eloquência que às vezes se estabelecia: o timbre se elevava e os caras com bisturis na mão vociferavam impropérios contra a Dilma e seus médicos cubanos! E eu ali, ouvindo tudo, inclusive quando um deles perguntou: você não acha que isso está sangrando muito? Acho que eu preferiria ter ficado enxergando menos. Enfim, depois de duas horas deixei aquele lugar com dois curativos muito bem feitos, um novo olhar para o mundo daqui a algum tempo e uma certeza: eles, os todo-poderosos médicos, são normais!